Mais de vinte mil pessoas
reunidas em um evento dedicado às mulheres. Imagine que alguns estudos indicam
que o feminino fala, em média, vinte mil palavras por dia, em comparação com sete
mil pronunciadas pelos homens. Agora calcule a proporção do que ouvi durante
quatro dias de encontro. Meu Deus! Senhoras de várias idades no frenesi de
palavras, brindes, oficinas, palestras e brincadeiras, e filas e mais filas. Reunidas
de “coração para coração”, tema do evento. Confesso que chegando ao local pude
perceber claramente qual era o público-alvo, e não era eu. Mas ali estava na
missão de ver ao vivo minha diva, a escritora gaúcha Martha Medeiros. Iria até
o fim.
Por diversos momentos percebi a
grandiosidade da estrutura (já trabalhei com eventos e soube que aquele levou
dez dias de montagem!), o suor e a quantidade da equipe envolvida (pessoas de
amarelo em todo lugar, com a blusa “Posso ajudar?”), diversos estandes de
fornecedores movimentados por uma grande logística e o cuidado dos
profissionais com aquelas senhorinhas - “Me dê sua mão.”, “Cuidado com a escada
rolante.”, “Quer uma água?”, “Onde está sua amiga?”.
Mergulhando naquele mar de
mulheres, pude me encantar com o brilho das amizades e da vivacidade que dá
banho em muitas das novinhas por aí. Dançavam, pulavam, se divertiam, num
expediente de dez horas contínuas. Ufa! Haja fôlego! Meus pés doíam, então
decidi ir somente à tarde para shows e palestras. Mas elas, ah! Elas aguardavam
desde cedo a abertura dos portões.
Em um dado momento, já no último
dia, ocorreu que um cisco entrou no meu olho. Entre 6.700 histórias escritas
para concorrer ao prêmio “A Estrela é Você” (que daria banho de beleza e de
loja à ganhadora), dez mulheres foram selecionadas para ter um resumo da vida
narrada ali no palco para todos ouvirem. Posso dizer no mínimo corajosas.
Expor-se dessa maneira não é para principiantes. Claro que não me contive, fui
às lágrimas naquela emoção de reconfirmar o quanto o ser humano é interessante
e as mulheres personagens de livros e da vida real. Maravilhei-me sobre o
quanto podemos nos reinventar.
Uma das senhoras confessou,
deixou a vida de freira para casar com um rapaz que insistente e pacientemente
roubou seu coração, até então dedicado ao convento. A plateia riu e eu
visualizei a persistência daquele garoto ao frequentar as missas, tentar uma
conversa ou duas. Tempo ritmado por outras expectativas. Dosado pela minutagem
dos sábios.
Outra vida falava de uma mulher
forte que ajuda a várias instituições de apoio a doentes, quando de repente ela
mesma se descobriu diagnosticada com a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).
Aquela tal doença que mobilizou famosos e anônimos nas redes sociais com a
"brincadeira" do balde de gelo (lembra?). Já era o destino ensinando
àquela senhora como cuidar e deixar ser cuidada. Sei que aceitar ajuda não é
tão simples como imaginamos. Paradoxalmente, às vezes é mais seguro olhar para
o outro e dizer “vou te ajudar”. Deixar a vulnerabilidade aflorar é um ato de
bravura.
E voltar a estudar após os 60
anos? É uma resiliência para poucos. E eis que umas das histórias falava sobre
os desafios entre as gerações e o preconceito dentro de sala de aula. Enfrentar
essa jornada requer presença de espírito. A sexagenária contou que, não só deu
a volta por cima, como acabou reconhecida pelos demais alunos da turma.
E o que dizer de uma mãe que
acaba de dar à luz, quando outra mãe deixa os filhos órfãos?! O que fez a
sobrevivente? Amamentou os filhos da outra, “de coração para coração”. Teve
ainda a que driblou as dificuldades financeiras e hoje é formada com louvor.
Outra senhora narrou o amor fraterno cultivado por uma amiga de infância, “Sou
Antônia, ela também.”, dizia dedicando as frases à amiga. Uma das que me puxou
mais a emoção foi a senhora que nos confessou o dia a dia sem o filho. Saudosa
e confiante nos planos maiores do amor, nos contou como percebeu que os laços
seguem além, e que o filho estaria ali, presente no evento torcendo por ela.
Dez caminhos diferentes que a
vida tomou, mostrando o quanto as mulheres podem ser vitoriosas. E com mais de
70% dos votos, a ganhadora foi morar aos quatorze anos com outra família que
não a sua, para cuidar dos filhos de um certo casal. É a “mãe preta”, hoje “Vó
preta” como se autointitula. Ela se disse muito amada há mais de vinte anos.
A história premiada me lembrou as
milhares de adolescentes-crianças, praticamente criadas enquanto trabalham. Não
sei mais detalhes da vida da vencedora, mas sei das meninas que vêm do interior
procurando oportunidade, amor, trabalho e realização. Muitas não vingam, inúmeras
engravidam ainda jovens, poucas seguem os próprios sonhos, e apenas algumas são
estrelas da própria história. Uma espécie de concurso “natural” da vida.
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