Por esses dias, pude conferir o
filme "Mais Forte que o Mundo", que conta a trajetória de José Aldo
Junior, desde quando praticava jiu-jítsu na periferia de Manaus, no estado do
Amazonas, até a conquista do título e a carreira de sucesso como esportista no
MMA (Mixed Martial Arts).
Por uma década, o manauara
manteve o cinturão de peso pena do UFC (Ultimate Fighting Championship), mas em
12 de dezembro de 2015 foi nocauteado pelo irlandês Conor McGregor, após
somente treze segundos de espetáculo. A derrota rompeu a invencibilidade de
Aldo, considerado o primeiro e mais dominante campeão em sua categoria na
história do UFC.
Enquanto eu assistia à vida do lutador
sendo narrada, aquela violência toda que garantiu a sobrevivência de Aldo por
anos ressoava dentro de mim. O enredo de "Mais Forte que o Mundo" se
apoia basicamente na relação entre pai e filho. E a vida de Aldo também. Seu
José (interpretado por Jackson Antunes) era o pai descontrolado que quando
bebia revidava as frustrações na esposa. Em seguida, arrependido, no fundo do
poço, recomendava para o filho ir para longe, ser diferente dele e buscar outro
futuro.
A mãe (na trama Cláudia Ohana),
que a tudo suportava, em um certo momento da narrativa, reconhece seu limite e
finalmente sai de casa. Mas em confrontos com o filho, repetia a célebre
sentença - "Você é igual a seu pai." E assim, também o fazia sua
namorada e atual esposa, Viviane. Durante as brigas, a moça (encenada por Cléo
Pires) decretava o quanto Aldo era o espelho do pai.
Em meio aos diálogos da película, o
treinador questionava o garoto se ele sabia a diferença entre brigar e lutar,
se tinha ideia de até onde aquela raiva toda iria levá-lo. Dedé Pederneiras, o
treinador carioca, é a pessoa que deu oportunidade, direção e sentido à vida do
esportista. E na ficção, também desempenha a figura do mentor, na mítica
"jornada do herói". Na recente disputa, em 9 de julho de 2016, Aldo
reverenciou Pederneiras dizendo que lutava pelo treinador e o amava.
No filme, os olhos do ator José
Loreto (personagem de Aldo) retrataram muito bem esse “Rinoceronte", como
é representando o esportista numa propaganda de energético. Esse tanque
indomável, um animal capaz de trucidar quem subisse ao ringue e também quem
cruzasse com ele nas ruas, pois Aldo levava consigo essa raiva latente, em
ebulição, inflamável ao menor sinal de discordância. Evidentemente, envolveu-se
em brigas, apanhou, bateu e ainda assim não conseguia esgotar toda sua energia
de vida (e de morte).
O Scarface, apelido de Aldo devido à cicatriz no rosto por um
acidente quando bebê, não se desvencilhava das memórias violentas, independente
da distância. Quanto mais para longe ia, mais Aldo carregava o pai dentro de
si, com todas as angústias e negações próprias dessa relação. No entanto, por
mais que recusasse, travava uma briga interna de semelhança e diferenciação da
figura paterna.
Talvez essa também se revele uma
das nossas, senão a maior, grande batalha na vida. Pelo menos para a maioria de
nós mortais, é um enorme desafio carregar os pais dentro de si, equilibrando a
inquietação interior com o que há lá fora, no mundo. A busca pela
individualidade, o medo de não repetirmos o que julgamos "ruim", tem geralmente
como ponto de partida e chegada nosso pai e nossa mãe. Mas se queremos ter prosperidade
na vida e paz no coração, é preciso nos reconciliar com eles, dizem sempre os
especialistas.
Nesse processo, é importante reconhecer
a violência que vem de dentro, perceber o quanto ela influencia nossas atitudes
agressivas e acaba reverberando no outro, fora de nosso controle. É necessário acolher
nosso rinoceronte interno e guiá-lo para ser um aliado.
Catalisar a raiva em ação construtiva
requer primeiramente coragem, é verdade. Nessa jornada de autoconhecimento,
almofadas, sacos de areia, ar livre, são aliados. Mas para quem pensa que não
há raiva dentro de si, os terapeutas sugerem observar mais de perto. Há muita
energia criativa que pode virar frustração e sim, raiva, se não dermos espaço
necessário para ela se expressar, se escondemos nossos talentos com medo de não
sermos bom o suficiente, ou de não estarmos adequados. É aquele sentimento
latente que, muitas vezes, nos envergonha e nos rotula de "descontrolado",
“impulsivo”, “mal amado”.
E assim foi com Aldo, numa trajetória
às vezes épica, às vezes cômica, relutante em acolher o próprio passado, o pai
e a mãe. Mas quando o fez, liberou o caminho para se tornar o campeão. Encarar
nosso animal interno, que nem é tão feio quando o aceitamos, exige disposição.
Disposição para compreendermos que nossos pais fizeram o melhor que podiam, a
seu momento e com os recursos que dispunham, para admitirmos quando parar,
disposição para desistirmos de sermos perfeitos.
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