quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Outro dia minha amiga disse que apresentou o mundo para a sobrinha. Levou a garota de dois anos e meio para ver o mar pela primeira vez. Desde então, a pequena não hesita: “Tia, quero ver o muunndo”. E arregala os olhos e fala redondo a palavra que cabe toda uma vida.

Mostrar o mundo a alguém é um desses atos revolucionários. Por momentos, o outro usa nossos óculos para ter do lado de cá, enquanto a gente se apruma no muro para espiar um pouco o lado de lá. Percurso de coragem, sem volta, sem destino. Não se fica o mesmo. A gente fica maior. Coisa de sentir, juntar, despir, navegar.

O mundo é o mar, uma cidade do interior, a luz das estrelas. Do tamanho da nossa criança, do quanto a vista de dentro alcança. Por uma janela, por uma fissura, o vento que sobra, a brisa que dá e passa.

O mundo é o mar. A linha que nos contorna quando a gente salta sem rede.

Me mostra teu mundo e eu vejo cores antes não sentidas. Tateio o que dizer, escuto com as lentes de aumento. Tudo isso pra também te chamar: vem mostrar teu mundo pra mim.

Me diz quem você é e as cores que te encantam, o que te surpreende entre as tantas luzes. Qual te chama para perto? Me mostra teu jeito de pintar a vida, cheirar o vento, pegar os sonhos com a mão. Mostra o que te faz nó e o que desentrelaça facilmente quando queres.

Mostra teu jeito de flertar com as flores, de errar os planos e adiar as dores. Me diz o quanto é quente e doce a noite e as manhãs.

Do meu plano vejo tu e muitos outros. Pelo teu jeito de andar, imagino quantas idas e voltas. E me surpreende a forma como é rico o teu dizer das curvas, o teu narrar o mundo e as criaturas.

Me mostra teu mundo, eu te mostro meu e a gente faz uma festa pra juntar toda essa bossa que dá poema e canção. Ou pode não dar em nada e restar ali apenas aperto de mão. O encontro, duvido, não foi viagem perdida. Foi descoberta. Uma aventura calçar teus sapatos, mesmo que breve, mesmo que não mais.

E se vai para longe, já me diz daí, manda notícias. Mostra teu outro mundo, de novo, e quantas vezes for reinvenção. Permanece em mim a sede de ver além mar.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

"Abença", durma com Deus

Meu irmão de oito anos me dá um beijo, diz boa noite e deseja: Durma com Deus. Ouço o lindo sotaque nortista que pronuncia “Deush”, a gente se abraça e eu repondo: Durma com os anjos. Depois saltamos cada qual para o sono, esperando a noite tranquila sob o manto invisível da proteção divina.

A despedida carinhosa me lembra o ritual de pedir “abença” de minha Vó todas as noites. Ah! Dormir só tinha valia se eu seguisse à risca o cheiro, o beijo e o pedido que me blindava de ondas gigantes, fuga de fantasma e aquela sensação infinita de cair em buraco sem fundo. Era um rito de sossego, segurança e amor. A certeza de que nós duas atravessaríamos a escuridão e acordaríamos prontas para mais um dia.

Por vezes, levantei para curar a agonia que cansava o peito pelo esquecimento do pedido. Vó podia estar dormindo, mas eu falava baixinho no ouvido dela, dava cheiro, beijo, chega a palpitação passava. Só assim a cama ficava quente e o lençol mais acolhedor. E eu tinha certeza, nós duas nos veríamos na manhã seguinte.

Por esses tempos, não tenho ouvido as pessoas pedirem “abença” com frequência. Não sei se virou apenas costume interiorano, se perdeu a graça, ou se deixamos a candura de lado. Mas acho pedir “abença” um gesto assim tão gigantesco. Parece que abre uma luz do céu, desce um cavalo alado, faz um giro na gente que nem redemoinho em sinal benzedor. A partir dali, acredita, teu dia será bom.

Pedir “abença” é uma dessas humanidades tão íntimas, que sela com o outro um pacto de gentileza e confiança. Sopra um vento de pureza a dobrar qualquer coração cético.

E, nas voltas que a vida dá, chega um tempo em que a gente também passa a dar “abença”. Pode ser pela idade ou quando o gesto vai além de parentesco e hierarquia. Tem a ver com bem querença.

Se você já experimentou dar bênçãos para um amigo, a um colega de trabalho, ou até a um conhecido que disseram estar em apuros, repare como dá uma excitação interior. Parece que abre uma luz do céu, desce um redemoinho a atravessar o corpo e uma comichão vai espalhando pelas mãos. Nessa hora, acredita, você é empoderado de boas energias para enviar a quem estiver precisando.

Na falta de alguém próximo, que lembremos de pedir “abença” à vida. Ela está sempre junto nos guiando noite e dia. De repente, abre uma luz no céu, desce um cavalo alado que passa correndo em redemoinho. Nessa hora, confia, teu dia será bom.

Receber ou dar “abença” é dessas coisas de encher a alma de ternura e paz. “Bença” a “bença” a gente se torna mais simples, humano e gentil.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Bom dia com poesia

Um amigo iniciou um projeto muito interessante. “Fiz uma seleção de 30 poemas que gosto muito e decidi compartilhar com vocês”, comunicou ele pelo WhatsApp, meio pelo qual começou a enviar áudios com poemas recitados. As mensagens começaram em 11 de janeiro e, desde então, tem sido um encantamento acordar ouvindo tamanha arte. O dia inicia com felicidade e um sorriso fácil. E a interpretação dele, que além de professor é ator, dá outra vida ao texto. O bom dia com poesia traz o magnetismo das palavras lidas.

Na quinta, ouvi “Matéria de poesia”, de Manoel de Barros. “Todas as coisas que podem ser disputadas no cuspe e à distância, servem para a poesia”, ressoa na voz do meu amigo. “Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma e que você não pode vender no mercado como, por exemplo, o coração verde dos pássaros, serve para poesia”.

Manoel, e meu amigo, vieram àquele dia me lembrar de perceber o belo nas banalidades e desimportâncias. Manoel me descontrói. Meu amigo me inspira. Eu, que fico a pensar sobre utilidade, sobre o propósito de tudo, não passo incólume ao poema, aos dizeres simples de uma profundidade visceral. E reparo na flor, no lixo, nos fios soltos quebrando a paisagem que não precisa de conserto. Sigo na quinta buscando o ordinário, minha matéria de poesia.

Na sexta, o amigo recitou “Todas as vidas”, de Cora Coralina. “Vive dentro de mim a mulher do povo. Bem proletária. Bem linguaruda, desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa, de chinelinha, e filharada”. Fui ao trabalho ouvindo sobre aquelas inúmeras mulheres que habitam em mim, em nós, em todas. A contida, a esperançosa, a algoz, a destemperada, a cheia de planos, a obcecada, e quantas mais podemos encher nosso guarda-roupa, guarda-vidas, guarda-vestes.

“Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida – a vida mera das obscuras”, conclui Cora, colocando reticências por dentro. Não dou conta de quantas somos, nessa esquizofrenia harmônica de quem vive recomeços. Cora vem bagunçar as perucas, os acessórios, dizendo que há mais, há muitas, há milhares sem vida escrita e sem prescrição. Somos as mulheres que queremos ser, por ora.

No sábado, escutei o trecho de “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. O poema fala sobre o “Menino Jesus verdadeiro”. “Tinha fugido do céu, era nosso demais para fingir de segunda pessoa da Trindade. No céu era tudo falso, tudo em desacordo, com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério. E de vez em quando de se tornar outra vez homem”.

Penso sobre o divino que procuramos fora, dentro, nos outros. Nos padrões que projetamos e sobre essa mania de classificar as coisas em gavetas. Uma seriedade chata ao invés da vida com leveza. Mas toda seriedade é chata? Não sei. Parece que a maioria pende para esse viés. Porém, se até o “menino santo” de Caieiro foi atrás do riso, por que nós mortais ainda não superamos a busca por genialidade?

Nessas oitivas do meu amigo, trago sempre à memória a primeira vez que escutei versos lidos. Foi com Bethânia declamando “Todas as cartas de amor são ridículas”, no CD Imitação da Vida (1997). O poema de Álvaro de Campos, outro heterônimo de Pessoa, diz: “As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor, é que são ridículas”. A inigualável versão de Bethânia deixou rastros.

Ouvir poesia é para mim uma experiência sensorial. Vibra as entranhas, causa arrepios, permite incompreensão. O amigo, que pelas manhãs tem compartilhado os gostos literários comigo, vem me estimulando o encantamento. Desde então, “as coisas que não levam a nada têm grande importância”, como prescreve Manoel de Barros. E a poesia tem sido essa pílula diária para enxergar mais a vida.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Há o tempo de deixar acontecer

Esperar por algo que se anseia muito requer uma revolução interna. Pode ser enlouquecedor. Normalmente, quando percebemos que àquela altura devemos nos tornar espectadores, já demos com boas cabeçadas na trave e só a gente ainda não entendeu.

Pode ser uma notícia, um encontro, um projeto, um sim, um não. A questão é que, quando se quer muito que aquilo aconteça, dá vontade de agir até o ultimo minuto para garantir o resultado certo. Afinal, é melhor zelar por excesso do que por omissão, não é o que dizem?! Mal sabemos que o portão se fecha antes de nossa contagem própria. A chave gira sem que percebamos. É o mistério das horas mágicas.

Há uma beleza na espera. Uma quietude que desperta movimentos internos. Contemplação, presença, compaixão e, principalmente, paciência consigo mesmo. Uma postura desafiadora, quando tentamos ser nossa melhor versão, na busca frenética por eficiência.

Mas existe o tempo de deixar acontecer, de relaxamento e de doçura. É o que o terapeuta americano, Bob Mandel, chama de “deixar ir, deixar Deus agir”. Os momentos em que precisamos recuar, onde não cabe mais força para conseguir algum efeito e sim deixar o tempo trabalhar por você, considerando o caminho percorrido e as decisões tomadas.

Aguardar é um estado de rendição total, de entrega e sapiência. Faz a gente parecer que desistiu, pode se assemelhar à derrota, mas é um estado de corpo que vai aquietando tudo por dentro, até acalmar o coração. É quando surge a voz interna dizendo: “Já deu. Para agora”.

Entender quando é preciso estacionar é uma dose de ousadia, risco e coragem. A gente fica no fio da navalha, equilibrando a bandeja de copos até a linha de chegada, que sempre muda. Há dias que parece mais distante. Em outros, estamos a um passo de cruzar a reta final. Uma percepção diária.

Deixar Deus agir (ou o que quer venha a ser essa força de existência) é um tempo de fé. Aceitar que só há espaço para a temperança pode se transformar em uma imensa batalha interna. Porque, em geral, ao redor, tudo pede movimento, atitude, ação. E de repente, cessar parece covardia.

Deixar Deus agir é uma tremenda confiança que nada mais pode ser feito por você enquanto a vida não traz de volta a colheita, seja ela de bonança ou tempestade. É a hora da resiliência e da acolhida.

E a vida traz, sempre traz o que nos é necessário. Nem sempre ao nosso desejo. Não exatamente o que esperamos. Às vezes, bem melhor. Porém, sempre na medida em que precisamos.

É uma regulagem sensível essa de calibrar o tal limite entre espera e ação. É como descobrir o segredo de um cofre valioso, que exige tempo, observação, tentativa até ouvir o clique final, aquele que revela o tesouro guardado.

Quando a gente age com essa sensibilidade, acessamos o que há lá dentro, no cofre pessoal, o que só foi possível por estarmos inteiros naquilo que fazemos.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Procure sua turma


“Vá procurar sua turma”, se antes era um desaforo, virou um bom conselho nos dias atuais. Quem nunca esteve em um grupo no qual os trabalhos pararam de progredir? Ou entre pessoas com as quais não mais se identifica?

Falar a mesma língua, ter sintonia de pensamento, sentir o propósito alinhado é o que buscam cada vez mais as pessoas que querem ter prosperidade na vida. Mas acima de tudo, é o que buscam aqueles que querem sentido para o que fazem, seja no lado profissional ou no pessoal.

“Procurar a sua turma” faz com que as sincronicidades aconteçam. De repente, começam a chegar sinais de que estamos no caminho certo. Caem no colo informações conectadas com novos projetos e, como mágica, tudo ao redor parece avançar na incrível coincidência.

Quando estamos “enturmados”, deixamos de fazer aquele esforço enorme (às vezes imperceptível) para transmitir ideias e nos fazer entender. A comunicação ocorre mais fácil, fluida e complementar. Parece até telepatia. Sabe quando alguém ia dizer justamente o que você estava pensando? Fulano completa a frase que você começou... Sicrano fala de um assunto que você tinha lido horas antes...

As peças de um grande quebra cabeça parecem se juntar com rapidez e a gente acha tudo insano, fica abismado. O todo vai ganhando corpo até melhor do que o imaginado, e constatamos: Uau! Aonde isso vai levar?! Dá medo? Talvez. Mas, essencialmente, admiração.

A questão é que “procurar a sua turma”, às vezes, leva a desapegos de uma outra turma que, até dia desses, fazia o maior sentido para nós. Só que hoje não faz mais e isso traz insegurança. Pode despertar tristeza e até um sentimento de culpa. Poxa, éramos tão unidos! Funcionava tão bem! Só que quando a gente se depara em um novo lugar que conecta mais forte, a sensação de incompreensão desaparece.

Se nos permitirmos abrir esta nova porta, pode ser surpreendente. O remar contra a maré vai virando coisa do passado e toda a energia agora parece canalizada de forma mais proveitosa. Ufa, um alívio! É quando percebemos os dias a pleno vapor. Renovam-se o fôlego e a vontade de desbravar o novo, mesmo que pareça assustador.

No entanto, agora não estamos sós, mas acompanhados da nova turma, essa outra que se juntou sem planos aparentes. Antes parecia que não estávamos sozinhos. Apenas parecia. Com o esvaziamento do propósito, a turma passada já foi pulando do barco sem a gente perceber. Ou até nós mesmos podemos ter entregue os pontos antes do fim, sem nos dar conta. Não há culpados. Há transparência e confiança, e quando é menos do que isso, não vale mais a pena. A gente estava à deriva e não sabia. Só sentíamos aquele tremendo esforço para realizar qualquer mínima ação, com resultados frustrantes.

Bom seria se, chegada a hora da mudança, surgisse um aviso nos alertando para outra direção. Mas não funciona assim. Em geral, a gente pena e insiste um bocado em conservar o conhecido, em vez de dar adeus e agradecer o que passou.

Penso que na vida, de tempos em tempos, ajustamos o rumo do barco. É quando a tripulação dá uma boa variada e a turma muda. A gente parte para uma nova viagem, sem rota definida, confiando que os ventos sopram na direção que o novo grupo se engajou.

A cada parada pode ser que suba mais alguém. Aqui e ali aparecem mais talentos. Avistamos uma terra distante, às vezes miragem. Pode ser também que não haja mais terra, e agora? A gente também não sabe. Há que se ir aprumando a embarcação. O porto final permanece uma incógnita, mas a turma está lá para descobrirmos juntos.


Enquanto isso, a gente iça as velas, gira o leme e muda de capitão sempre que alguém apontar o caminho com mais lucidez. Nesse novo barco não há mapas, os caminhos são desenhados em colaboração. Mas existe sim uma turma cheia de entusiasmo para navegar em uma vida com mais propósito.

Texto originalmente escrito para a coluna quinzenal no Blog Repórter Entre Linhas .

domingo, 5 de novembro de 2017

Entre sonhos e humanidades


Acho tão bonito isso de ter sonho. Dá uma coragem danada de viver mais e arriscar. Enche a alma de possibilidades. Sai uma força gigantesca de dentro do peito gritando que a gente pode e merece ser feliz. Sonho é magia.

Gosto de pensar nos sonhos que alimentamos, que um belo dia viram presente quando antes só eram possíveis no coração. Digo isso, porque costumo, de forma inconsciente, naturalizar as vitórias como algo simples, sem esforço, “mais do que a obrigação”. Sintoma de pessoa autoexigente. Para me tratar, tenho procurado internalizar o percurso das conquistas, o tempo maturado, a energia desprendida e as ações. As pequenas, as grandes, as improváveis, as banais.

Comecei, então, a registar sonhos e conquistas em um "caderninho de vitórias", como apelidam por aí. Percebi que se anotamos as superações diárias vira uma lista de ruma. Pode ser algo diferente que ousamos certo dia, coisas simples como falar com estranhos, chegar a um lugar desacompanhado, ir ao cinema sozinho ou fazer o que estava na lista de “para quando tiver tempo”. Atos bobos para uns e um passo enorme para alguém. Desejos tão pessoais e legítimos.

Vejo que esse processo acaba por assinalar também nossa trajetória. Abraça os altos e baixos como natural da caminhada. Mostra que aquele dia “não tão bom” não se torna uma mancha na fotografia. Compilar as vitórias, ajuda a lembrar que, se hoje estamos aqui, foi porque antes estivemos mais atrás, e antes de nós outras pessoas, e outras gerações, numa longa cadeia de sonhos, acertos, atropelos. E é tudo tão incrível, porque só o fato de resistirmos, sonharmos, é fantástico. Olhar nossa história com generosidade e acolhimento é energizante.

Outro dia conversei com uma pessoa que me falou muito sobre o quanto cada pessoa tem um percurso particular, desenvolvendo uma percepção distinta sobre a vida. E sobre como viver é relacionar-se o tempo todo. Daí a importância de ser gente, de cultivar a humanidade.

Após quase uma hora de conversa, saí embevecida. O corpo adormecido, enquanto a cabeça processava as reflexões. É sempre interessante ouvir os próprios valores pelo discurso do outro. É um tônico. E prontamente me ocorreu um insight sobre momentos de dúvida, seja na vida pessoal ou profissional. Veio o entendimento de sempre optar pela humanidade, porque no fundo é a nossa razão de existir. 

Naquela tarde, eu estava cheia de trabalho, prazos a cumprir e uma amiga recém-operada por visitar. Eu já tinha concluído que não haveria tempo para ir ao hospital, nem espaço para comportar todos os objetivos do dia. Depois da conversa, no entanto, fiquei sentindo a melhor decisão. Lembrei-me sobre ser gente e optei pela humanidade de abrir o tempo com a mão. Fui ver a amiga.

Já em casa, à noite, “optar pela humanidade” foi para meu “caderninho de vitórias”. Mais uma conquista a celebrar, junto com os sonhos, os pequenos êxitos e as coisas sensíveis. Comemorei a vitória em ser gente, por mais um dia.

O caderninho tem mais inúmeras páginas em branco para anotar, quantas vezes necessárias, essa opção pela humanidade. Uma conquista que não reclama de repetição.

Texto originalmente escrito para a coluna quinzenal no blog Repórter Entre Linhas.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Vida é colaboração


Um assunto tem me ocupado a cabeça e o coração na última semana – a valorização do trabalho das pessoas. Vivemos em conexão e alguns seres ainda não despertaram para esse fato. Reconhecer a contribuição do outro faz parte da vida em grupo, que ainda é experimentada dia a dia, entre conhecidos e desconhecidos.

Em um mundo cada vez mais colaborativo, legitimar o trabalho do próximo é condição essencial para avançar. Não, não estamos sós, não realizamos as atividades sozinhos, não construímos o resultado fechado na nossa super cápsula protetora. A vida em rede é muito mais do que a nossa imagem no espelho. É interdependência.

Desconsiderar a história das outras pessoas ou menosprezar o resultado construído no coletivo pode ser uma falha de caráter. Talvez haja conserto no futuro próximo, mas, por hora, todas as vezes que não validamos o esforço de alguém, deixamos o mundo mais pobre.

Não, não somos uma ilha onde tudo gira ao nosso redor. Assim como também não é sábio viver querendo tirar vantagem a qualquer custo – das coisas, situações e pessoas. O dicionário diz ser vantagem a “qualidade do que está adiante ou superior = SUPERIORIDADE”. O significado pode estar certo no mundo alheio, mas não no meu. Não quero essa visão que tira proveito sem que o próximo também se beneficie. Dicionário, eu e você estamos em dissonância.

Eu me pergunto o que nos leva a crer que podemos dar conta de todos os espaços, como um organismo autossuficiente, pensando (penando?) sermos onipresente e onipotente. Deve ser nosso complexo recalcado de Deus. Deve ser a carência por importância.

Que possamos nos unir mais em propósito, afinidades e talentos. O seu brilho não afeta o meu, e sim me inspira a ir além, a encontrar a porção de mim que também reluz. Juntando os dons, o mundo fica mais rico e criativo. Vira exponencial, termo que os futuristas têm me a ajudado a descobrir. É na dinâmica da colaboração que alcançamos crescimento muito mais amplo do que o esperado, talvez do sequer imaginado. Sabe quando a sincronia vai chegando na sua timeline? É o fluxo da conexão a pleno vapor.

E tudo isso passa pela confiança. Palavra com um sentido gigante e precioso. Passaporte para os atravessamentos, para as pontes que cruzamos por diferentes motivos e circunstâncias, principalmente nos momentos de transição. Confiança em mim, em você, no outro, na parceria, horando os acordos diários que vamos estabelecendo na vida. Respeitando o caminhar digno, que nem sempre é o mais fácil.

A ideia é que não economizemos elogios e aplausos nessa vida. Que possamos usar a diversidade do verbo colaborar a cada oportunidade. Ganhamos todos ao ajudar, contribuir, apoiar, auxiliar, assessorar, assistir, secundar, favorecer, cooperar, participar, coadjuvar, associar-se, envolver-se, atuar, compor, criar.

Que o seu melhor se junte ao meu, o meu ao seu e que, juntos, ofereçamos o melhor de nós ao mundo, sem moderação.

Texto originalmente escrito para a coluna quinzenal no Blog Repórter Entre Linhas.